sábado, 21 de novembro de 2009

Muitas mitras e quase ausência do povão de Dom Helder

Recebi o presente texto de irmã Rosana por email. Seguindo a sugestão da mesma resolvi publicá-lo a fim de divulgá-lo. De antemão quero frisar que concordo com a linha de reflexão apresentada pela autora do texto.

por Adital/ Ivone Gebara *

Se D. Helder Camara estivesse vivo teria completado dia 7 de fevereiro cem anos de vida. Pensando nele diferentes grupos, a Arquidiocese de Olinda e Recife e a CNBB organizaram uma celebração eucarística para lembrar a vida do Dom, como era carinhosamente chamado. Eu estava lá diante da Igreja das Fronteiras onde ele passara grande parte de sua vida, sentada no meio da multidão. O sol das 16 horas estava ainda intenso e, muitas pessoas usavam os lenços onde os cantos da missa haviam sido impressos, como protetores de cabeça. Eu era uma delas.

Não sei se foi o sol muito quente ou se foram meus habituais demônios que se manifestam em situações especiais, mas estava muito incomodada com aquela celebração. Havia muitas mitras. Além delas, alvas, estolas e hábitos religiosos masculinos tirados de velhos baús. Havia muita gente, mas senti uma falta grande das comunidades populares, do povão de D. Helder, daqueles que adoravam tocá-lo e receber seu abraço e seu sorriso aberto. Meus demônios continuaram me dando incômodas agulhadas, mostrando-me detalhes pitorescos do público presente que desviavam a minha atenção da celebração eucarística. Fechei então os olhos e podia fazê-lo sem medo de ser interpretada como adormecida em plena missa, pois usava meus óculos escuros.

De repente, entregue aos meus botões, foi como se minha vista clareasse e eu vi junto à mesa do altar a Lucia, a Leda, a Zélia, a Zezita, a Severina, a Lucinha, a Menininha, a Dorinha, a Catarina, a Vanda, a Belinha, a Helena e tantas outras, grandes colaboradoras e amigas do Dom... Todas estavam sentadas em torno da mesa com D. Helder, D.Lamartine, com o Tonho, o Joãozinho, o Biu, o Betinho, o Manuel, o Zé do Chapéu, todos agradecendo os vários dons da vida, fazendo memória de Jesus e comendo juntos o pão. E todos cantavam "Prova maior de amor não há que doar a vida pelas irmãs e irmãos". E de seu canto saia uma emocionante força de verdade capaz de tocar os corações. E as palavras não eram apenas um ajuntamento de palavras bonitas capazes de embriagar. Parecia que elas nutriam o coração. Eram palavras pronunciadas com autoridade, como a de quem tenta viver o que diz. Havia flores em todos os cantos e crianças misturadas a velhos e jovens. Havia o calor do sol e dos corações. Ouvi jovens declamando poemas escritos pelo poeta Helder, e crianças narrando algumas de suas parábolas. Imaginem, vi até o presidente Lula lendo um decreto-lei que instituía Dom Helder como patrimônio da História nacional. Todas as brasileiras e brasileiros das novas gerações deveriam conhecê-lo desde a escola primária e tomá-lo como exemplo de luta pela cidadania e pelo amor à humanidade.

De repente um "Oremos" muito possante me abalou e me fez abrir os olhos e vi que aquele repente imaginário estava me desviando da celebração daquele momento. Voltei e vi diante de mim, de novo, o espetáculo de mitras e um báculo, símbolo do poder que agora se impunha como se fosse o representante da ordem divina. Fiquei com pena de ter acordado de meu sonho instantâneo.

Sem querer, mas talvez até querendo, fiquei pensando que em 25 anos a instituição eclesiástica conseguiu roubar do povo a memória revolucionária de Dom Helder. Ontem, o formalismo celebrativo hierárquico se impunha. Tudo como manda o antigo figurino romano. Nada das outras igrejas cristãs misturadas com as autoridades da "nossa" igreja. Anglicanos, Batistas, Luteranos, Presbiterianos podiam ficar junto com os participantes na grande Assembléia. O pessoal das religiões africanas que nem se aproxime. Não houve gestos ecumênicos. Os da elite religiosa, os que adoram usar alvas e estolas para mostrar seu distinto sacerdócio, estes sim estavam no alto, olhando para os presentes e olhados por eles. Ou, estavam nos primeiros lugares, próximos ao altar, para evidenciar que apesar de falarem de povo de Deus, eles se consideravam um pouquinho mais povo de Deus, ao menos naquele momento. Não entendo porque concelebrar significa acumular no altar padres e bispos todos com alvas e estolas e mitras a atravancarem o caminho uns dos outros. Não seria isso co-presidência? Por que não sermos irmãs e irmãos celebrando juntos embora um ou outra esteja presidindo? Estranhos hábitos clericais! Estranhos poderes que insistem em marcar inconsistentes diferenças!

Não celebro a vida de Dom Helder no saudosismo, mas na perplexidade em relação a nossa capacidade de fazer com que a história sirva em muitas situações aos interesses do poder estabelecido - religioso e político. Este poder não gosta de novidades. Não gosta da memória de quem foi crítico de suas imposições. Usa as pessoas enquanto podem favorecer a seus intentos promocionais e fazer adeptos de suas ideologias. Teme que alguém queira mudar as regras do jogo. Que o sagrado seja menos sagrado se não se respeitarem as tradicionais rubricas e hierarquias. Continuam fornecendo o mesmo pão e o mesmo circo, pois distraem e ao mesmo tempo pensam ordenar a vida do povo. E ao fazerem isso pensam igualmente nos impedir de pensar. Mas, a voz dos oprimidos sempre irrompe no silêncio e nos ensina sempre de novo que "quando os problemas se tornam absurdos, os desafios se tornam apaixonantes". (D. Helder) E então, só então "um deserto poderá ser fértil".

Apesar dos pesares, somos capazes de dar Graças à Vida que nos deu tanto. E entre o tanto que nos deu, nos deu o irmão Helder Camara e tantas outras irmãs e irmãos que, como ele, fizeram de suas vidas sementes de vida. Há muita boa nova sendo anunciada pelo campo e pela cidade, pelas montanhas e planícies. Quem tiver ouvidos afinados no amor será capaz de ouvir algo bonito sendo anunciando e até sentir a brisa suave que sopra lentamente devolvendo vida e esperança a muita gente. Uma nova sinfonia de muitos mundos está sendo executada. E as notas originais de nosso querido Dom estão em todas as claves de execução, unindo-se a mil outras notas de justiça e compaixão, únicas capazes de sustentar a tonalidade simples e complexa do Canto do Universo.

Sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009 - 10h27min
* Teóloga

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Missao no mundo sem fronteiras (Pe. Jaime Luiz Gusberti)


MISSÃO é palavra a aquecer os corações. É ANÚNCIO do Evangelho, num mundo injustamente globalizado.MISSÃO é romper barreiras, abraçar o mundo, ser e construir o humano que vive na REALIDADE do sonho.MISSÃO... é partir IR AO ENCONTRO do irmão, na força do Espírito Santo.MISSÃO é TESTEMUNHAR...SERVIR...DIALOGAR...ANUNCIAR... É abrir horizontes de vida, beber na fonte, saciar a sede do peregrino à procura de pão, saúde, esperança.MISSÃO é SER e FAZER, ir ao encontro dos que estão pertoe dos que estão longe.MISSÃO é não se cansar: andar...cantar... SONHAR o novo na vida do povo. E ver que ainda é necessário ENCANTAR, OUSAR... e, se preciso for, chorar...MISSÃO é não perder o encanto, e gritar aos quatro ventos que as SEMENTES DO VERBO estão a germinar...MISSÃO é para quem tem CORAGEM... quem não tem medo de arriscar ...é DISPONIBILIDADE...MISSÃO é DESPERTAR PARA O NOVO...MISSÃO não tem fronteiras, porqueo mundo é o nosso lar.

sábado, 7 de março de 2009

A identidade da universidade católica


O papa João Paulo II afirma na introdução da constituição apostólica Universidades Católicas, que a tarefa da universidade católica é “unificar existencialmente, no trabalho intelectual, duas ordens de realidade que, não raro, tendem a opor, como se fossem antitéticas; a investigação da verdade e a certeza de conhecer, já, a fonte de verdade”. A partir desta afirmação papal, e tomando como base as informações apresentadas no decorrer de todo o documento, principalmente as informações presentes na primeira parte do mesmo, podemos traçar um ínfimo perfil da identidade da universidade católica.
A universidade católica, enquanto universidade, possui, como qualquer comunidade acadêmica, a missão de investigar a verdade, além de contribuir para a defesa e desenvolvimento da dignidade humana, salvaguardando a herança cultural das comunidades onde a universidade ensina e atua das mais diversas formas. Enquanto católica, um dado peculiar passa a lhe ser inerente: a busca de uma interação entre vertentes que são considerados no meio acadêmico como antitéticas: fé e razão; ética e avanço tecnológico; teologia e ciência, etc. Assim, tal interação conduz a um amor maior pela busca da Verdade que dá pleno significado à existência humana.
Por fim, não se pode deixar de mencionar um aspecto que se torna particularmente significativo quando o assunto é identidade da Universidade Católica. Tal aspecto diz respeito à relação essencial que esta mantém com a Igreja, que não somente lhe confere o título institucional, mas também, e principalmente, garante à Universidade o compromisso de manter uma fidelidade à mensagem cristã. Conseqüentemente, a Universidade Católica deve aderir á autoridade magisterial da Igreja, inclusive no que diz respeito aos aspectos da fé e da moral. Portanto, a união entre Igreja e Comunidade acadêmica católica favorece a proclamação do sentido da verdade, da liberdade, da justiça e da dignidade do homem em uma sociedade que anseia pela resposta que há mais de dois mil anos foi desejada por Pilatos quando interrogou Jesus:
“O que é a Verdade?" (Jo 18, 38).

A missão de serviço da universidade católica


Na ocasião do décimo segundo ano de pontificado de João Paulo II, ele apresentou à Igreja uma constituição apostólica, intitulada Universidades Católicas, com o objetivo de, baseado no ensinamento do Concílio Vaticano II e nas diretrizes do Código de Direito Canônico, apresentar uma ajuda às universidades católicas e aos outros institutos de estudos superiores para que estes consigam desempenharem sua missão no novo milênio. É justamente este aspecto da missão da universidade católica, bem enfatizada na primeira parte do documento citado a cima, que nos propomos a discorrer no momento.
Como qualquer outra universidade, a universidade católica possui a “missão fundamental da procura contínua da verdade, a conservação e a comunicação do saber para o bem da sociedade” (UC, 30)*. Porém, sendo católica, a universidade possui uma missão particular que a une mais intrinsecamente à Igreja da qual ela está ligada. Esta missão se ramifica em três vertentes: a primeira diz respeito à missão que a universidade possui junto à comunidade eclesial católica, visto que, além de outros contributos, graças aos resultados das investigações científicas apresentados pela comunidade acadêmica católica, a Igreja pode responder, de forma mais contundente, aos questionamentos atuais da sociedade; a segunda ramificação da missão da universidade católica aponta para o fato de que, inserida na sociedade humana, a universidade é interpelada a ser ferramenta do progresso cultural para os indivíduos e para toda a sociedade. Neste sentido, e para além dele, a universidade deve denunciar os males que afetam a população, apresentando as verdades que incomodam os maus dirigentes públicos. A última ramificação da missão da universidade, não por ordem de importância, que denota a sua missão específica enquanto universidade ligada á Igreja Católica, refere-se ao exame, do ponto de vista cristão, dos valores e das normas dominantes na sociedade, comunicando “aqueles princípios éticos e religiosos, que dão pleno significado à vida humana”, tornando-se, assim, proclamadora do Reino de Deus tão bem defendido e anunciado por Aquele que é o centro da nossa fé.

* Adotamos a sigla UC para indicar o título da constituição apostólica Universidades Católicas, que tomamos como base fundamental para a redação deste pequeno texto.